quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Por onde andará Merilyn

Diziam que naquele lugar havia uma certa mulher que fazia magia com as mãos.
Lugar simpático, vilarejo tranqüilo onde crianças brincavam na rua e velhos liam seus jornais com seus charutos sabores de histórias. Não vi nada de tão peculiar, nada de tão místico ao primeiro olhar, sentei no banco próximo a um pé de chorão e fiquei a espreitar o movimento, entre olhares curiosos e sorrisos infantis.
De repente uma das crianças aproxima-se trazendo nas mãos um lenço branco, carregando no olhar e nos lábios uma doçura antes nunca vista:
- Oi
- Oi, menina! Tudo bem?
- Isto é para você, estávamos a sua espera.

Olhei intrigada para aquelas mãos e aquele lenço, para aqueles cachos louros que o sol tocava como pianista em concerto e com o lenço na mão acompanhei ela com o olhar até vê-la sumir entre as árvores. Parecia desaparecer com o vento.
Parecia que todos a minha volta eram personagens de um conto e que a qualquer momento o livro seria fechado e colocado na estante novamente. Levantei e caminhei até o carro, decidia a ir embora mas parecia que alguém dizia ao pé do ouvido que não deveria partir e fiquei estática por alguns estantes com o dito lenço nas mãos, quanto mais olhava pra ele menos entendia. De repente um cheiro de cânfora com erva doce tomou conta do lugar e quando percebi estava dirigindo sem saber para onde mas sabendo o que iria encontrar.

A casa era amarela.
A porta era vermelha, cor de cereja madura. As janelas verdes, com cortinas azuis e bordadas.
Havia flores para todos os lados, canteiros recheados de um carinho perceptível e árvores de todas as espécies, de todas as cores, de todos sabores. Havia também um caminho ladrilhado que levava até a varanda, coberto por pequenas pedras redondas, dessas que pode-se jogar em água que ela vai longe. Parei, fechei os olhos e fiquei escutando e sentindo todos os sons, todos os cheiros, senti a natureza falando comigo em primeiro grau, entrando pelos poros, penetrando vagarosamente e misticamente em mim.
Senti-me fazendo parte do todo.

Ela apareceu na varanda.
Serena e branca com uma xícara de chá em uma das mãos e a outra na cintura. Não disse nada, apenas sorriu e acenou com a cabeça.
Hipnotizada, caminhei até a varanda, seguindo aquele cheiro morno de carne em fogão.

Ao abrir entrar a primeira coisa que vi sobre a mesa foi um corpo.
Era de uma jovem, provavelmente com uns dezoito anos.
Por todos os lados havia corpos. Corpos mutilados, pendurados, secos, empacotados, enrolados, e cozidos. Ao lado da cristaleira havia uma vitrola e tocava n8 op 27. Paralisada permaneci, apenas movimentava os olhos, percorri tudo o que podia mais rapidamente pois sabia que se piscasse o próximo corpo sobre a mesa seria o meu.
Ela nada disse.
Ficou encostada sobre a pia a me olhar.
Era como se entrasse dentro de mim e arrancasse minha alma com os olhos.
Era como se me conhece de outrora, como se fosse minha mãe.

Senti um calor súbito.
Reabri o olho e me vi no jardim de inverno de minha avó.

A ultima coisa que lembro, foi o sabor do meu sangue quente escorrendo pelo rosto e entrando em minha boca.

(continua)

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Urbana





Esboço efémero e voluptuoso de palavras que hoje me apertam sem dó.

Estou aqui para dizer- te que minhas idéias não estão em linha reta e que caminham para onde bem querem, são elas, bambas. Já não me cabe dicidir. Tanto quis domina-las que hoje as deixo livres porque sei que são como passaros emigrantes à procura de alimento. 
(Lenta e cáustica metamorfose)
Já não me preocupa mais o resultado porque o que me faz brilhar os olhos e vibrar meu corpo é o caminho percorrido. Meus instantes são formados por tudo o que não se vê: cheiros, cores e sons, - e são tantos os instantes que mal posso verbalizar agora.

 Tudo agora é meu.
O tempo, o cheiro, o tom e o som.
Só meu.


E não me peçam para me dividir. Quero ser egóísta, quero me fartar de mim. Depois cair leve e plena, de cansaço.