quinta-feira, 4 de março de 2010

Tentação








Ledo engano.
Acendi um cigarro, retirei os livros velhos da estante, os vinis, as cartas de amor e  o porta-joia antigo. Bom às vezes manter o ácaro da lembrança morto, mesmo sabendo que estou vacinada preciso ter a certeza de que não voltará a me fazer espirrar memórias traidoras do tempo.
E justamente nesta hora, de limpeza espiritual o telefone toca.
Olhei na bina e não acreditei no que vi...
Era o passado a bater na porta. Respirei fundo, senti minhas pernas amorteceram, minhas mãos tremerem, meu corpo falar. Fechei os olhos e contei até dez. Levantei, vesti a primeira roupa que encontrei, peguei minha bolsa e fui me encontrar com o sol. Eu precisava ter a certeza de que não queria dar murro em ponta de faca mais uma vez.
E assim foi por algumas horas seguidas: telefone a tocar e eu cada vez mais convicta que estou bem minha.

Não vou me entregar.

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Por onde andará Merilyn

Diziam que naquele lugar havia uma certa mulher que fazia magia com as mãos.
Lugar simpático, vilarejo tranqüilo onde crianças brincavam na rua e velhos liam seus jornais com seus charutos sabores de histórias. Não vi nada de tão peculiar, nada de tão místico ao primeiro olhar, sentei no banco próximo a um pé de chorão e fiquei a espreitar o movimento, entre olhares curiosos e sorrisos infantis.
De repente uma das crianças aproxima-se trazendo nas mãos um lenço branco, carregando no olhar e nos lábios uma doçura antes nunca vista:
- Oi
- Oi, menina! Tudo bem?
- Isto é para você, estávamos a sua espera.

Olhei intrigada para aquelas mãos e aquele lenço, para aqueles cachos louros que o sol tocava como pianista em concerto e com o lenço na mão acompanhei ela com o olhar até vê-la sumir entre as árvores. Parecia desaparecer com o vento.
Parecia que todos a minha volta eram personagens de um conto e que a qualquer momento o livro seria fechado e colocado na estante novamente. Levantei e caminhei até o carro, decidia a ir embora mas parecia que alguém dizia ao pé do ouvido que não deveria partir e fiquei estática por alguns estantes com o dito lenço nas mãos, quanto mais olhava pra ele menos entendia. De repente um cheiro de cânfora com erva doce tomou conta do lugar e quando percebi estava dirigindo sem saber para onde mas sabendo o que iria encontrar.

A casa era amarela.
A porta era vermelha, cor de cereja madura. As janelas verdes, com cortinas azuis e bordadas.
Havia flores para todos os lados, canteiros recheados de um carinho perceptível e árvores de todas as espécies, de todas as cores, de todos sabores. Havia também um caminho ladrilhado que levava até a varanda, coberto por pequenas pedras redondas, dessas que pode-se jogar em água que ela vai longe. Parei, fechei os olhos e fiquei escutando e sentindo todos os sons, todos os cheiros, senti a natureza falando comigo em primeiro grau, entrando pelos poros, penetrando vagarosamente e misticamente em mim.
Senti-me fazendo parte do todo.

Ela apareceu na varanda.
Serena e branca com uma xícara de chá em uma das mãos e a outra na cintura. Não disse nada, apenas sorriu e acenou com a cabeça.
Hipnotizada, caminhei até a varanda, seguindo aquele cheiro morno de carne em fogão.

Ao abrir entrar a primeira coisa que vi sobre a mesa foi um corpo.
Era de uma jovem, provavelmente com uns dezoito anos.
Por todos os lados havia corpos. Corpos mutilados, pendurados, secos, empacotados, enrolados, e cozidos. Ao lado da cristaleira havia uma vitrola e tocava n8 op 27. Paralisada permaneci, apenas movimentava os olhos, percorri tudo o que podia mais rapidamente pois sabia que se piscasse o próximo corpo sobre a mesa seria o meu.
Ela nada disse.
Ficou encostada sobre a pia a me olhar.
Era como se entrasse dentro de mim e arrancasse minha alma com os olhos.
Era como se me conhece de outrora, como se fosse minha mãe.

Senti um calor súbito.
Reabri o olho e me vi no jardim de inverno de minha avó.

A ultima coisa que lembro, foi o sabor do meu sangue quente escorrendo pelo rosto e entrando em minha boca.

(continua)

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Urbana





Esboço efémero e voluptuoso de palavras que hoje me apertam sem dó.

Estou aqui para dizer- te que minhas idéias não estão em linha reta e que caminham para onde bem querem, são elas, bambas. Já não me cabe dicidir. Tanto quis domina-las que hoje as deixo livres porque sei que são como passaros emigrantes à procura de alimento. 
(Lenta e cáustica metamorfose)
Já não me preocupa mais o resultado porque o que me faz brilhar os olhos e vibrar meu corpo é o caminho percorrido. Meus instantes são formados por tudo o que não se vê: cheiros, cores e sons, - e são tantos os instantes que mal posso verbalizar agora.

 Tudo agora é meu.
O tempo, o cheiro, o tom e o som.
Só meu.


E não me peçam para me dividir. Quero ser egóísta, quero me fartar de mim. Depois cair leve e plena, de cansaço.

domingo, 31 de janeiro de 2010

Desejos






Impactante sensação
De leveza
O couro cabeludo amortece
Memórias insistentes e sujas apagadas

Sem dúvida alguma o ritmo encaixa-se com a melodia
E nesse compasso
Meu coração bate.

Enriqueço a cada minuto. Surpreendentemente, como a natureza que me cerca.


Doces momentos de meus prazeres
Exalam paz pelos poros
Meus
Teus
Nossos
Doces momentos de meus amores
Meu
Minha
Teu
Tua
Sempre

S/ Tit.





Depois de voar e ver quão pequenino são meu medos...
Percebo a simplicidade de meu amor.
Nada adianta camuflá-lo em movimentos pre pensados
Pois as palavras se perdem quando o coração palpita.

Então em meu universo desenho as curvas do rosto amado que um dia hei de afagar.
Porque a força que me move é a mesma que te empurra para meus braços.

set/05

Sem Querer

- Foi uma maneira de dizer! -disse ele, com a testa franzida, olhando para o lado.

- Então da próxima vez, diga sem maneiras! – disse ela, com uma mão na cintura e outra apontando para ele.

Foi a última vez que se viram.
Depois disso a vida era só procurar, sem querer.
Ela ia para o bar e sem querer o encontrava.
Ele ia para a livraria e sem querer o encontrava.
E o sem querer por muito tempo permaneceu.
Sem querer cruzavam os carros no sinal, sem querer almoçavam no mesmo restaurante.
Sem querer se encontravam no teatro, sem querer faziam compras no mesmo supermercado.

Era tudo um sem querer.


E a cada sem querer ela sentia um frio na barriga
E a cada sem querer ele suava as mãos
Ela passava a mão nos cabelos
Ele sorria timidamente

Até que um dia em uma tarde ensolarada de domingo
O sem querer deu as caras novamente
E ambos descobriram
Que o sem querer
Chamava-se, destino.

- Ainda com maneiras?
- Sim, vou dizer-te de todas as maneiras, todo amor que tenho por você.

* Danado esse sem querer. Ele age e molda quando menos esperamos, não é mesmo, seu fulano?

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010





Hoje enforcarei todas as palavras
Sílaba por sílaba
Vogal por vogal
Consoante por consoante
Tom
Por
Tom
Para não falar de Amor

Serão palavras mudas e despidas
Hoje, não falarei de Amor.

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Sacode - ( Para Victtoria Rossini)







Por vezes preciso que alguém venha ao pé de meu ouvido e grite. 


Não me pergunte por onde andei.
Não vou lhe contar. A única coisa que posso dizer-te é que estive tentando curar feridas que não cicatrizam. Mas agora já não me apetece mais cutucá-las. Deixarei engavetadas. Se algum dia me cativar abro uma por uma e as liberto.
Então, se por acaso em meus devaneios, vier a chorar não te espantes porque minha lágrimas outrora doloridas haverão de ser alegres. 


- Estava sentada junto a figueira quando o vi pela primeira vez.
Seu andar denunciava uma preocupação. Passos firmes e ligeiros. Andava de um lado para o outro com um livro na mão e na outra um cigarro, era um rato de biblioteca. Barba por fazer, roupa surrada, sapato gasto... Um ogro maravilhoso.
Fiquei lá, embasbacada olhando para aquela figura notória imaginando o que passava em seus pensamentos, no porquê daquela ansiedade toda... Levante bruscamente e fui em sua direção disposta a cumprimenta-lo sem delongas. E foi o que fiz. 
Só não contava que no caminho algo insesperado ia acontecer.
Ele esperava sua amante.
Um beijo longo e demorado, de afecto, de amor.
Recuei.
Baixei minha cabeça e voltei ao pé da figueira, voltei ao diário, onde lá podia desbravar minhas emoções.


Voltei durante semanas naquele lugar, nunca mais o vi. O que restou foi um esboço que fiz de sua sombra em minhas escritas cujo às vezes folheava para não esquece-lo.
Era uma vez um Ogro Dourado.